Empreendedoras que inspiram
No dia 8 de março
comemora-se o Dia Internacional da Mulher, mas durante todo o mês acontecem
eventos dedicados ao empoderamento feminino. Na última terça-feira (21), ainda
parte dos eventos organizados pela Prefeitura de Contagem para esse mês, a
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico recebeu cerca de 50 mulheres
para o “Café Com Elas: Conexões Empreendedoras”. Realizado no saguão de entrada
da própria secretaria, o evento tem como finalidade promover conexões para
negócios e a troca de experiências comerciais, mas principalmente de vida.
Certas trajetórias
são inspiradoras. É o caso, por exemplo, Lorrainy Michele Pereira, proprietária
do salão Lorrainy Cabelos Estúdio. Com 33 anos ela é uma microempreendedora que
trabalha no ramo da beleza há 14 anos. Seu negócio fica na avenida principal do
bairro Maracanã. Mulher negra, mãe solteira da pequena Alice (que tem 3 anos),
do seu empreendimento ela sustenta sua família e tira de letra os desafios de
tocar seu próprio negócio.
Às vezes o que a
sobrecarrega é sua dupla jornada como mãe e como profissional. “Cuidar de
alguém é um desafio muito grande, mas nós não podemos parar. Temos que
conciliar o tempo de levar a escola e de tocar o trabalho”. Mas ela é dessas
pessoas para quem a adversidade se transforma em estímulo. “Você passa a ter alguém
por quem lutar e por quem você tem que vencer todos os dias”. Não por acaso ela
traz tatuado no seu braço esquerdo uma tigresa com os dentes à mostra, com seu
pequeno filhote protegido entre suas patas. “É a Lorrainy e a Alice”, ela
reconhece sorrindo.
O salão de Lorrainy
gera oportunidades para outras cinco mulheres. “Somos uma equipe e somos umas
pelas outras. Sempre digo a elas que nós estamos no mesmo barco, que nós vamos
crescer juntas. Se der errado pra mim, deu errado pra elas. Se der certo pra mim,
dá certo pra elas”.
Assim, ao gerar
emprego, renda e oportunidade para outras mulheres, seu salão acaba criando uma
rede de apoio e proteção mútua. Por exemplo: ela tem entre suas colaboradoras
outra mãe solteira, com um bebê de oito meses. Parta ela é inevitável
reconhecer-se e a sua própria história. “Ela está tendo dificuldades de
conciliar esse seu momento de mãe com prover o seu sustento. Eu faço o máximo
para ajudar”.
Em alguns casos, seu
salão é a porta de entrada para o mercado de trabalho. “A Brenda tem 18 anos e
o seu primeiro emprego foi com a gente. Hoje ela é uma cabeleireira completa.
Ela é praticamente nossa gerente e na minha ausência quem toma conta do espaço
é ela”.
Do salão da Lorrainy
saíram profissionais que, seguindo o seu exemplo, abriram seu próprio negócio.
“Salão de beleza é uma área onde a gente consegue sobreviver. Onde quer que
você esteja as pessoas precisam cortar o cabelo, as mulheres precisam se arrumar”.
Algumas das suas
aprendizes acabaram empreendendo e disputando clientela no bairro. Quando
questionada se essas situações a incomodavam sua resposta surpreende. “Eu
visito esses salões. Procuro saber se está tudo bem, se posso ajudar de alguma
forma. É quando a gente descobre que alguém está precisando de uma pedicure, aí
a gente indica uma conhecida. De uma profissional especializada em escova, e
por aí vai”.
Boa parte desse
desprendimento e senso de parceria ficaram mais fortes durante a pandemia de coronavírus.
Foi um momento especialmente delicado para ela. O salão vinha se firmando,
tornando-se uma referência na região, quando as restrições sanitárias e a
escalada de mortes por causa da covid-19 lhe obrigaram a fechar as portas e a
dispensar toda sua equipe. Coincidiu ainda de ser uma fase em que ela estava
com sua bebê praticamente recém-nascida. “Daí em diante eu passei enxergar a
vida de forma muito diferente. A dificuldade é coletiva, não sou só eu que
tenho problemas. Nós temos que ajudar umas as outras. Nós temos que nos
incentivar. Do mesmo jeito que deu certo pra mim vai dar certo pra outra”.
Assim como Lorrainy,
o número de mulheres que responsáveis financeiramente pelos domicílios cresce a
cada ano. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
(IBGE), em todo o país são 34,4 milhões.
O Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) faz outra projeção. Nesse caso, ele aponta
que o percentual de domicílios brasileiros comandados por mulheres saltou de
25%, em 1995, para 45% em 2018, devido, principalmente, ao crescimento da
participação feminina no mercado de trabalho.
Mas, embora as
mulheres sejam cada vez mais as responsáveis pelo sustento do lar, levantamento
do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)
mostra que o rendimento médio mensal das mulheres no mercado de trabalho
brasileiro é 21% menor do que o dos homens – R$ 3.305 para eles e R$ 2.909 para
elas. Os dados utilizarão como parâmetro a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio Contínua (PnadC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) no terceiro trimestre de 2022.
A “Pereirão” de Contagem
Em 2011, a atriz
Lilia Cabral interpretou uma personagem marcante da teledramaturgia brasileira:
Griselda Pereira, mais conhecida como “Pereirão”. Pelo roteiro da novela “Fina
Estampa”, ela sustentava seus três filhos e um neto fazendo pequenos concertos
na vizinhança. Era uma versão feminina do “Marido de Aluguel”.
Contagem tem uma
empreendedora com a mesma garra e coragem da personagem da novela. Aqui, porém,
ela é conhecida como “Patroa Soluções”. Moradora do bairro Colonial, Ananda
Costa atua no ramo de manutenção residencial exclusivamente para o público
feminino. “As mulheres têm muito receio de receber profissionais em sua casa.
Temem todo tipo de assédio, mas também a desonestidade na prestação do serviço.
Seja na cobrança de um valor abusivo ou porque nem sempre o problema é
resolvido. Eu já me senti insegura ao receber profissionais dentro da minha
casa, sozinha”, conta a empreendedora.
Dessa demanda
particular ela reconheceu a oportunidade de ajudar outras mulheres, fazendo com
que elas se sentissem seguras, oferecendo um trabalho de qualidade e
honestidade.
Mas seu negócio
começou por uma espécie de “conspiração astral”.
Estudante de
Administração de Empresas, Ananda atuava na área administrativa e estava
frustrada porque não era valorizada, recebendo sempre muito menos do que
oferecia para a empresa. “Meu marido é eletricista. Meio que brincando ele me convidou
para trabalhar com ele, mas eu aceitei. Foi quando começamos a trabalhar
juntos. Isso faz um ano e meio”.
Pesquisando, Ananda
descobriu que no Rio de Janeiro e em São Paulo havia muitas mulheres nesse
seguimento de manutenção residencial. Em Contagem, porém, ela não encontrou
nenhuma profissional. “Então eu confirmei que era o momento pra poder
ingressar. Isso me faria crescer profissionalmente para abrir portas para
outras mulheres virem atrás de mim. Foi basicamente assim que entre para a
área”.
Embora venha
trabalhando com manutenção e instalações elétricas é desde agosto de 2021, foi
só no último mês de janeiro que ela se formalizou como Microempreendedor
Individual (MEI).
Assim ela passou a
ter garantias previdenciárias como salário-maternidade, auxílio-doença,
aposentadoria e o apoio técnico gratuito do Centro de Referência do
empreendedor de Contagem e do Serviço Brasileiro de Apoio a Micro Empresa
(Sebrae).
Ela vem se firmando
num universo preponderantemente masculino.
Levantamento feito
pelo Centro de Referência do Empreendedor de Contagem, da Secretaria Municipal
de Desenvolvimento Econômico, mostra que estão registrados 1.102 MEIs com o
Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) de instalação e manutenção
elétrica. Desse total, são 997 homens e apenas 105 mulheres.
Outro CNAE, o de
instalações hidráulicas, sanitárias e de gás, registra 148 MEIs, sendo 132
homens e 16 mulheres.
Ananda diz ter se
encontrado na sua área de atuação. Primeiro, porque sente que faz algo que tem
a ver com bandeira de luta pessoal, a da inclusão da mulher. Segundo, porque
sente que recebe um valor justo e satisfatório, em nível com os esforços que
empreende e a qualidade do serviço que oferta. “Hoje sou eu que dou o meu
preço, o quanto custa meu serviço. Não tem ninguém por atrás de mim
desvalorizando minha mão de obra e me pagando menos do que deveria”.
Mas, sobretudo pelo
permanente reconhecimento do serviço que presta. Com um sorriso firme de
sincera satisfação ela conta que nada lhe enche mais de alegria que ser
acolhida por suas clientes com a frase: “Nossa! Que bom que é uma mulher!”.
Nossa “litubrasileira”
Em um canto da
entrada da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, uma mulher loira, de meia
idade e pele alva se destaca pelo sotaque com que falava com as demais
participantes. Algo que lembra russos falando português, com erres arrastados,
silabação incompleta dos “Gs” nas palavras e uma ou outra confusão no gênero
dos substantivos. Era Agnes Zilionyte, professora particular de inglês.
Provocada a falar no idioma que leciona, soou como se estivéssemos assistindo a
um filme americano, sem legenda.
Ela é natural da
Lituânia, país situado ao sul da Europa, que faz fronteiras com a Letônia e a
Polônia e integrava o antigo bloco soviético. Lá eles têm seu próprio idioma, o
letão.
Formada em
antropologia pela Vilnius University, Zilionyte especializou seu inglês durante
os dez anos que morou na Inglaterra.
Quis o destino que
ela conhece-se e se apaixona-se por um brasileiro. Então ela decidiu trocar o
inverno lituano que pode chegar a - 20o C pelas tardes ensolaradas brasileiras,
entre 30o C e 40o C. Ela mora aqui há 10 anos.
Quando chegou, ela
começou dando aulas de inglês para os amigos. Sua metodologia de ensino foi
ganhando fama e ela começou a receber indicações dos seus próprios alunos. “Eu
tinha cerca de 30 alunos e também trabalhava em escolas particulares”, relembra
a lituana.
Estão registrados em
Contagem 116 MEIs para ensino de idiomas, sendo 76 mulheres e 40 homens.
Aqui, porém, mais
que a experiência do nosso calor tropical, Agnes também vivenciou as incertezas
econômicas próprias da América Latina.
Quando teve início a crise de 2014, ela viu parte dos seus clientes abandonarem
as aulas. “Eles foram perdendo o poder de compra dos seus salários e até mesmo
os seus empregos. Daí eles passaram a cortar o que não era essencial, naquele
momento, para sua sobrevivência”, conta.
Foi uma aflição que
se estendeu ainda mais com o início da pandemia. “Eu sofri um pouco por causa
da perda dos clientes, mas agora estamos retomando nossa clientela”.
Mas nem tudo foram
agruras. Durante a pandemia, dada a necessidade do distanciamento social, a
relação entre alunos e professores ganhou a mediação digital por meio de sites
e programas de videoconferência. Houve um primeiro momento de adaptação, tanto
para alunos quanto para os professores. Para esses últimos, porém, foi ainda
melhor.
Ela expandiu seu
negócio e ampliou seu mercado, atendendo clientes não apenas de Contagem e Belo
Horizonte, mas de toda região metropolitana. Deu bom para a “litubrasileira”.
“Nós ganhamos o tempo que perdíamos no trânsito e ampliamos nosso mercado, mas
confesso que ainda estou me adaptando”.
Atualmente ela
atende cerca de 20 alunos. “Tenho alunos até de outros estados. Recentemente
comecei a dar aulas para um cliente em Portugal”. Paralelamente à melhora do
quadro econômico, ela passou a investir na divulgação das suas aulas por meio
das redes sociais. Está dando ainda mais certo.
Agnes pode se
considerar uma mulher de sorte. Segundo dados do Estudo Econômico da América
Latina e do Caribe 2022, publicado pela Comissão Econômica das Nações Unidas da
região (Cepal), a taxa de desemprego entre as mulheres é maior que a dos homens
e sobre elas ainda recai um atraso maior na reincorporação ao mercado de
trabalho. Mas essa situação que se agravou com a pandemia da covid-19.
A pesquisa mostrou
que enquanto a taxa de desemprego masculina caiu de 10,4% no final do segundo
trimestre de 2020 para 6,9% no primeiro trimestre de 2022 (variação de 3,5
pontos porcentuais) entre as mulheres essa queda foi menor: apenas 2,1 pontos,
passando de 12,1% para 10%.
“Com açúcar, com afeto...”
Paulo Freire
(1921-97), um dos maiores educadores e pensadores do mundo, imortalizou o verbo
esperançar, fazendo a necessária explicação: “Esperança do verbo esperar não é
esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás,
esperançar é construir, esperançar é não desistir!” Esperançar, de verbo se
transforma no adjetivo que melhor traduz a história de vida da empreendedora
Mirani Alvez, confeiteira artesanal, proprietária do “Province du Chocolat”.
A culinária chegou
em sua vida quando ela ainda era muito nova. Natural do Paraná, nascida em uma
família muito simples, ela perdeu sua mãe ainda criança. Foi adotada por outra
família muito carinhosa, mas igualmente muito pobre. Tempos muito difíceis em
que ela ainda menina trabalhava em casas de família para ajudar no sustento da
sua casa. “Eu cozinho desde os 9 anos de idade”, diz com orgulho e nenhum traço
de ressentimento.
Das lembranças que
traz dessa fase da sua vida, Mirani conta que desde muito nova já se preocupava
em deixar seu toque especial na comida. “Fosse o preparo do arroz ou do feijão.
Eu sempre buscava algo que levasse uma alegria para quem iria se alimentar”.
Ela foi crescendo e
apesar de toda essa imersão ela não trilhou, inicialmente, uma formação em
algum ramo gastronômico. Sua primeira graduação foi pedagogia. Noutro momento,
tentou uma segunda formação acadêmica na área do direito, sem concluí-la.
Ainda sem sentir
profissionalmente realizada ela se viu às voltas com a possibilidade de voltar
a sua experiência gastronômica. Embora se garantisse muito bem na cozinha,
Mirani fez vários cursos na área de confeitaria no Centro Europeu de
Gastronomia, em Curitiba, uma das conceituadas escolas gastronômicas do país.
“Busco todos os dias um aperfeiçoamento. Eu sou muito exigente. O que eu quero
pra mim eu quero para o outro. Eu sempre busco algo que possa encantar. Não só
no olhar, mas no sabor e na qualidade”.
Pela influência
europeia da sua culinária, Mirani produz doces e bolos com sabores de todas as
nacionalidades. Ora um chocolate belga, ora alemão e algumas vezes italiano.
“Não podendo viajar até a França eu consigo te oferecer esse sabor de lá”.
Contagem tem um
total de 190 MEIs cuja descrição da atividade é de padaria e confeitaria.
Existe um quase equilíbrio na participação de homens e mulheres nesse mercado,
sendo 98 homens e 92 mulheres.
Mas o Province du
Chocolat oferece mais que bolos, doces e outras iguarias saborosas aos olhos e
ao paladar, eles trabalham com o conceito de cozinha afetiva, que é um
movimento que surgiu nos anos 2000, contrariando a lógica dos fast foods.
A cozinha afetiva
trabalha com a premissa de resgate de receitas e que marcaram a história das
pessoas, oferecendo momentos de especial nostalgia. É quando experimentamos uma
receita qualquer e afetuosamente associamos a uma “comida de mãe” ou “comida de
avó”. “É quando os sabores trazem memórias. Eles nos remetem lembranças”,
explica Mirani.
Religiosa, Mirani
tem uma fala baixa e serena, articulando calmamente seu raciocínio. Quando
trata do seu empreendimento transmite a impressão de que ela leva isso como um
propósito espiritual. “As pessoas estão muito desatentas. Ninguém tem tempo
para ouvir, para se abraçar, para falar de comunhão. Deus me deu esse momento
para levar o amor dele através dos meus doces”, diz a dedicada confeiteira,
completando: “É o carinho em todo processo de preparação, desde a escolha dos
ingredientes, ao momento da embalagem”.
Mulheres são maioria
nas palestras do centro de Referência do Empreendedor de Contagem.
A assessora da
superintendência de Apoio ao Empreendedor e Pequenos Negócios, Fernanda do
Carmo, avaliou positivamente o “Café com Elas, Conexões Empreendedoras” e falou
da sua satisfação dos trabalhos realizados pela Sedecon no apoio às
empreendedoras do município. “É extremamente gratificante para nossa
superintendência poder se aproximar dessas pequenas empreendedoras e contribuir
para o fomento de seus negócios.
Como mulher e também
mãe, entendo perfeitamente os dilemas que as assolam: Conciliar a vida
profissional, os afazeres domésticos e a maternidade. Empreender para muitas
dessas mulheres é mais que um desejo, é uma necessidade”.
Fernanda destacou
que no ao de 2022, as mulheres somaram 70% de todas as inscrições para as
palestras promovidas em parceria com o Sebrae. “Ciente dessa missão, nós da
Superintendência de Apoio ao Microempreendedor e Pequenos Negócios buscamos
sempre ofertar cursos e capacitações condizentes com a realidade do público
feminino, que possam agregar valor ao negócio delas”.



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