Apogeu e agonia: o que aconteceu com o PCdoB de Contagem?
Há meses o PCdoB de Contagem vivia sob a tensão da expectativa de futuro das suas duas principais lideranças: o ex-prefeito Carlin Moura e o deputado estadual Ricardo Faria. Seria uma eleição divisora de águas para o partido. Do lado de Carlin, sua eleição representava um retorno à cena política. Já para Ricardo, a manutenção do seu mandato configuraria a possibilidade de voos mais altos. Sim, sua candidatura à Prefeitura de Contagem.
Em tese, eram postulações até compatíveis. Seriam, não fossem as feridas ainda abertas das eleições de 2016, a disputa por espaços partidários e a interferência despótica da direção estadual da legenda, pelo que eles chamam de “centralismo democrático”.
O primeiro mal estar começa na histórica estratégia do PCdoB: reunir todas as forças do partido em torno de uma candidatura de deputado federal. Assim se organizou as eleições de Jô Moraes nos últimos anos. Nesse pleito, o “escolhido” foi Wadson Ribeiro, presidente do PCdoB Minas.
Carlin não tentava ser o escolhido do partido, só acreditava em suas chances de vitória. Avaliava que, dada a grande rejeição do atual prefeito Alex de Freitas (PSDB), por quem foi derrotado na eleição anterior, ele se reencontraria com o eleitorado de Contagem. É consenso para todo o meio político, mesmo em tempos de profunda polarização, que o tucano feriu de morte seu governo antes de mesmo começá-lo, ao articular com a Câmara Municipal, durante a transição, a volta da cobrança do IPTU. A sequência de erros da gestão peessedebista aprofundou ainda mais o desgaste do atual governo junto à população. Por essas e outras, Carlin acreditava que o eleitorado lhe faria justiça; reconheceriam seu legado.
Eleições são assim: cada candidato traz consigo a uma lógica própria.
Após muitas reuniões e atritos, elaborações e cobranças, Carlin foi avisado pelo PCdoB Minas que não teria legenda para ser candidato a deputado federal.
Pelo percalço, e ainda pela mais expressiva quantidade de votos que deveria obter para emplacar um mandato, parte do seu grupo tentou convencer Carlin a disputar como deputado estadual. Em outras palavras, enfrentar Ricardo Faria. Era um misto de alternativa possível e reflexo do racha do PCdoB também em Contagem. O clima entre eles, Carlin e Ricardo, já não era dos melhores. Muitas rusgas surgiram na disputa de influência sobre lideranças da legenda na cidade. Agora, passariam a disputar votos também na mesma região, já que ambos moram no bairro Amazonas, e nas demais regiões da cidade.
Disputariam até o portfólio de realizações. Carlin, como prefeito, tinha o que apresentar. Ricardo também, já que fora secretário municipal de Saúde de Carlin e entregará uma série de trabalhos e obras na área. Naquele momento, entretanto, Ricardo levava sobre o ex-prefeito a vantagem de ter a seu favor o peso de dois gabinetes: o seu, de deputado estadual, e um de vereador, do seu irmão Vinicius Faria.
Carlin não cedeu à impertinência dos seus correligionários mais próximos e manteve sua disposição de concorrer como deputado federal. Ele até conversou com outras legendas. Foi abordado pelo PV, assuntou o PSB, o Podemos, o PHS, mas, de todas as siglas, a que quase o recebeu de fato foi o Avante. Recebeu garantias de recurso eleitoral, estrutura e apoio político.
Tudo certo, não fosse um detalhe: Carlin construíra toda sua história política e partidária no PCdoB. Foi sob a “foice e o martelo”, as máximas de Stalin e outras veemências que o ex-prefeito se formou politicamente. Ele firmou o pé e levou sua reivindicação à executiva nacional do PCdoB.
Por sua história, a direção nacional do partido comunista entendeu que garantir-lhe a legenda para disputar uma cadeira na Câmara dos Deputados era razoável. Convenhamos: não é uma história qualquer. Pelo PCdoB Carlin já fora vice-presidente nacional da UNE (União Nacional do Estudantes), diretor do DCE da UFMG, elegeu-se vereador, duas vezes deputado estadual e chegou ao comando da terceira maior prefeitura do Estado de Minas Gerais.
Carlin foi “enquadrado” pela direção estadual. Na volta, a direção estadual foi “enquadrada” pelo Comitê Central do PCdoB. Ele teve garantida a legenda para disputar as eleições, mas a direção estadual trabalharia para viabilizar a eleição de Wadson Ribeiro.
Carlin Moura, Wadson Ribeiro e seus respectivos grupos, encontraram na estrutura da campanha à reeleição de Ricardo Faria o “cabo de guerra” onde passariam a medir forças. Não se tratava só de picardia política. Ricardo dispunha de um suporte e um lastro político invejável, que contribuiria muito a qualquer uma das candidaturas.
Novamente no campo das suposições, o grupo do ex-prefeito esperava que, dada a história de Carlin e Ricardo, Wadson seria naturalmente preterido.
A primeira parceria política de Carlin e Ricardo foi em 2008. Nesse ano, Carlin lançou-se candidato a prefeito de Contagem pela primeira vez. À época, Ricardo tinha o comando do PV (Partido Verde) municipal e costurou apoio à candidatura de Carlin. Ele fechou com o PCdoB a indicação do vice, à época, o então vereador Jander Filaretti, e uma boa composição para a chapa de vereadores. Ricardo estava entusiasmado, porque colocara o PV em outro patamar na cidade.
O que Ricardo não sabia é que o empresário e então deputado federal Vittório Medioli e presidente estadual do PV estava às turras com o PCdoB.
Semanas antes, uma manifestação fora organizada por um sindicato ligado ao PCdoB em uma das empresas do poderoso empresário ítalo-brasileiro. Como a manifestação não tinha uma pauta de reivindicações muito concreta, Medioli intuiu que se tratava apenas de agitação pré-eleitoral.
Quando soube da costura entre o PV e o PCdoB, Medioli chamou Ricardo para uma reunião. “Quando cheguei em seu escritório ele já estava com Carlaile [Pedrosa, ex-prefeito de Betim]. Ele autorizou à secretaria minha entrada. Nem bem cheguei, fui tomando uma senhora bronca. Foi quase meia hora de esporro sem saber o porquê. Saí da sala junto com o Carlaile, que então me explicou o motivo da carraspana”, relembrou Ricardo, às gargalhadas, em um bate-papo há cerca de três anos.
Superado o contratempo, Ricardo se elegeu vereador com 3.555 votos. Na Câmara, chamou a atenção dos seus pares por seu temperamento sereno, afável, sua habilidade política e boa relação com a grande imprensa. Circulava bem entre os grandes caciques da política e com naturalidade entre as vilas e favelas. Fez um bom mandato. Ampliou suas bases e, em 2012, reelegeu-se como o vereador mais votado da cidade, com 6.412 votos.
Nessa mesma eleição, Ricardo não conseguiu levar o apoio do PV à candidatura de Carlin já no primeiro turno. O PT, cujo candidato era o deputado estadual Durval Ângelo, articulou em nível estadual a coligação das legendas. Ricardo conseguiu rebelar-se no segundo turno, levando seu apoio e de boa parte dos candidatos da legenda ao palanque comunista.
Não só de momentos assertivos se construiu a história entre Carlin e Ricardo. Em uma das reuniões organizadas pelo PV em apoio a Carlin, uma gafe memorável. O vereador Beto Diniz, então no PCdoB, recebeu a notícia de que o vereador Avair Salvador (PT), o Gordo do Riachinho, que estava internado há meses no Hospital Felício Rocho lutando contra um câncer agressivo, viera a óbito. Beto correu ao twitter para lamentar a morte do colega parlamentar. Uma assessora da campanha e Carlin viu a publicação e o noticiou do ocorrido. Caiu sobre a reunião um clima de profunda consternação. Carlin e Ricardo, que conviveram com ele na Câmara, se emocionaram. Amigos mais próximos também choraram. Não se falava mais de política e todos se uniram em oração pela memória do Avair e pelo conforto da família.
Minutos depois, chega a notícia de que o vereador não tinha morrido. Mal estar generalizado. Apesar do “mau-agouro acidental”, Gordo do Riachinho só veio a falecer no dia 23 de dezembro daquele mesmo ano.
Carlin escolheu Ricardo, sozinho e pouco tempo depois de ter sido eleito prefeito, como seu candidato a deputado estadual. O vereador realmente estava em um bom momento. Era um quadro jovem e promissor e enquadrava-se nas expectativas políticas do prefeito eleito.
Carlin lhe ofereceu a gestão da Secretaria Municipal de Saúde, uma pasta estratégica e de grande visibilidade. Como transitava bem à esquerda e à direita, Ricardo, deduziu o então prefeito eleito, realizaria uma boa gestão à frente da pasta para se cacifar como candidato. Claro que, pela relação orgânica que Carlin tinha com o seu partido, o apoio do prefeito estava condicionado a Ricardo teria se filiar e disputar pelo PCdoB uma cadeira na Assembleia.
Assim aconteceu. Ricardo se licenciou da Câmara Municipal e assumiu a Secretaria de Saúde no início do mandato do Carlin e no, nas vésperas do pleito de 2014, filiou-se ao PCdoB.
Por ter luz própria — e isso era virtude e defeito aos olhos dos mais integrantes mais antigos do PCdoB de Contagem — Ricardo teve de superar pequenas sabotagens, ciúmes e vilanias próprias do interior do poder. Numa estrutura governamental hipercentralizada, vez ou outra se enfurecia com o engessamento dos seus trabalhos. Ainda assim fez uma gestão de destaque. Pouco mais de um ano depois, voltou para a Câmara Municipal e passou a articular sua campanha, desbravando cidades do interior em busca de apoio.
Montou uma boa base de campanha que logo foi “aparelhada” por indicações do partido. Estabeleceu um núcleo mais próximo de assessores e virou deputado estadual, como dizem alguns dos seus apoiadores mais íntimos, “apesar do PCdoB”. Claro que ter boa parte dos quadros políticos da Prefeitura de Contagem trabalhando em favor da sua candidatura também ajudou. Muito. Ele foi eleito o segundo deputado mais votado do PCdoB, com 44.578 votos.
Na campanha à reeleição de Carlin Moura, em 2016, Ricardo ajudou como deu para ajudar. Reclamou em muitas ocasiões da coordenação de campanha. Não somente ele. Deliberações vindas de extensas discussões entre lideranças e importantes apoiadores eram novamente submetidas à aprovação de um grupo de cinco pessoas, que as executava, ou não, ao sabor dos próprios entendimentos. Quando não, o núcleo duro do PCdoB apresentava as orientações e determinações para o referendo desse coletivo. Ricardo tomou iniciativa de muitas ações, mas fora perdendo o ânimo frente as dificuldades.
A completa alteração da realidade apresentada ao prefeito por este grupo mais restrito tornou a tarefa ainda mais difícil. A real avaliação do governo Carlin Moura era brutalmente oposta às projeções e conjecturas que lhe eram apresentadas, bem como o rumo da campanha.
Embora Carlin tenha passado para o segundo turno da disputa, em primeiro lugar, com 79.454 votos, o resultado não permitia comemoração. Ele caiu quase 40 mil votos na comparação com sua votação no primeiro turno da eleição anterior. As pesquisas da época apontavam alto nível de rejeição ao seu governo. Em quase todas as aferições, mais de 50% dos entrevistados reprovavam sua gestão. Assim, a probabilidade de virada do desafiante era enorme.
Como a realidade sempre se impõe, um acontecimento no segundo turno exemplificou, pelo extremo, a real situação de Carlin na cidade. Em um evento na região do Petrolândia, o então prefeito recebeu uma ovada de um morador. Houve empurra-empurra entre os moradores e cabos eleitorais. Carlin foi cercado por uma multidão. Conseguiu se desvencilhar e teve de sair correndo.
Instalou-se o caos na campanha.
Foi na casa de Ricardo Faria a fatídica reunião em que Carlin foi comunicado que, fizesse o que fizesse, havia perdido a eleição. O então prefeito chorou, esbravejou, apontou culpados, mas, ao final, face a inexorabilidade dos fatos, resignou-se.
Carlin perdeu a campanha e o título de prefeito eleito com a maior votação histórica do município.
Apesar de ter perdido a prefeitura, o PCdoB, pode se dizer, estava empatado politicamente. Elegeu uma bancada de quatro vereadores, ao passo que o partido do prefeito eleito, o PSDB, tinha perdido a única cadeira que tinha.
Carlin deu início à transição do governo. Pouco tempo depois enfrentaria outras disputas.
Como ex-prefeito da terceira maior cidade do estado de Minas Gerais e integrante de um partido historicamente ligado ao PT, Carlin avaliava que o então governador Fernando Pimentel o abrigaria na Cidade Administrativa. O comando de uma secretaria? Essa era a expectativa. Mas, naquela data, o local que lhe fora reservado era Ouvidoria-Geral do Estado.
Paralelamente ao fim do seu mandato, Wadson Ribeiro, que assumira como deputado federal (mas era suplente) perdeu a cadeira na Câmara dos Deputados em decorrência da votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Os titulares que se licenciaram para ocupar cargos em ministérios ou em secretarias estaduais voltaram aos seus mandatos para votar o processo de afastamento. Foi o caso, por exemplo, do deputado federal Mauro Lopes, que estava como ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil, e Odair Cunha, que era o secretário de estado de Governo de Fernando Pimentel. Ambos da coligação em que Ribeiro disputou o mandato.
Ele ficou pouco mais de um ano como deputado. Ao ter de deixar a cadeira de deputado, Ribeiro articulou com o comitê central do PCdoB sua indicação na cota de primeiro escalão que cabia à legenda no governo Fernando Pimentel.
Wadson Ribeiro também não era qualquer um na estrutura do PCdoB. Presidiu a UNE (União Nacional do Estudantes), entre os anos de 1999 e 2001, eleito para o cargo durante o 46º congresso da entidade, que teve a histórica presença do presidente de Cuba, Fidel Castro.
Findado seu mandato frente a UNE, Ribeiro foi eleito presidente da União da Juventude Socialista (UJS), permanecendo à frente da agremiação até 2006. Tendo atuado como um dos coordenadores de mobilização da juventude durante a primeira eleição do ex-presidente Lula, em 2002, conseguiu indicação do partido para compor o governo federal. Em 2007 foi nomeado para sua primeira ocupação de destaque no Ministério dos Esportes: secretário-executivo da pasta. Posteriormente, foi empossado secretário nacional de Esporte, Educação e Inclusão Social. À época, a pasta era comandada pelo seu correligionário Orlando Silva (PCdoB-SP).
Ele participou da realização dos Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro, integrou a equipe que articulou a campanha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Sua saída do Ministério dos Esportes foi repleta de suspeitas e controvérsias. Wadson foi acusado de participar de um esquema de desvio de dinheiro para ONGs, por intermédio do Programa Segundo Tempo. Dois meses depois de tomar posse como novo ministro da pasta, Aldo Rebelo desligou Ribeiro do Ministério.
A Controladoria-geral da União chegou a formalizar a expulsão de Wadson Ribeiro e outros seis funcionários. Foi em dezembro de 2016, doze anos depois das denúncias. Como nenhum dos envolvidos integrava mais o ministério, a consequência prática da expulsão foi a impossibilidade assumirem qualquer outro cargo público no governo federal, seja por nomeação ou concurso.
Foi assim que ele assumiu o cargo que, inicialmente, seria destinado ao ex-prefeito Carlin Moura. Uma segunda pasta já era ocupada por outra indicação do PCdoB, a Secretaria de Estado de Turismo. Ela era comandada por Ricardo Faria, que se licenciou do mandato de deputado estadual.
Carlin não ficou desabrigado. Foi nomeado para uma coordenação na Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia. Conseguiu se fazer acompanhar de uns poucos apoiadores. Era melhor do que nada, mas estava muito aquém do que sua história representava.
Não convém aprofundar sobre esses aspectos. Eles servem apenas para ilustrar as muitas dificuldades que Ricardo Faria, Carlin Moura e Wadson Ribeiro — e toda a esquerda brasileira — teriam pela frente. Na esteira do apuro político que os esperavam, um encorpado e irrefletido antipetismo do qual o PCdoB fora atingido por extensão.
Carlin conseguiu legenda para concorrer como deputado federal. Wadson e a direção estadual do PCdoB, entretanto, restringiram-lhe sua articulação apenas ao diretório do partido em Contagem. Todos os demais diretórios deveriam trabalhar e apoiar a candidatura de Ribeiro.
Para dirimir as tenções, em julho, pouco antes do início da campanha, Ricardo tentou uma aproximação entre os grupos. Ele tentou harmonizar a diferença entre eles convidando-os para Happy Hours. Deu errado. Desses extensos bate-papos sempre se tinha notícia de alfinetadas e provocações entre os diferentes círculos de apoiadores. A “migração” de duas figuras de destaque no partido, do grupo do Carlin para o grupo do Ricardo, no mais das vezes, é que deflagravam os “cutucões”.
Nas conversas, o grupo de Carlin partia do pressuposto de que Ricardo tinha que fazer uma campanha casada exclusivamente com o ex-prefeito. Avaliavam que, se não fosse Carlin, Ricardo não seria deputado. Havia chegado a hora de retribuir.
Ricardo sabia, entretanto, que não poderia priorizar uma composição total com a candidatura de Carlin. Entre os principais motivos, o de ficar impedido de dobrar com outros deputados federais que lhe abriam portas em outras cidades no interior do Estado. Em alguns casos, lhe davam acesso até mesmo a outras regiões de Contagem onde não tinha entrada eleitoral. Sabia também que, embora seu grupo não reconhecesse, Carlin ainda gozava de forte rejeição no município.
Ricardo reconhecia a importância de Carlin para a construção do seu mandato, mas dedicar-lhe exclusividade na dobradinha eleitoral inviabilizaria sua candidatura. É a política como ela é: pragmática.
Ainda assim, Ricardo abriu as portas do seu comitê e ofereceu parte da sua estrutura operacional para a candidatura de Carlin. Contudo, a forma afoita como os apoiadores do ex-prefeito tentaram dar a linha dos trabalhos implodiu o intento. Queriam supervisionar a produção de artes, cartazes e a mobilização de pessoas, claro, a fim de cercar tudo para a campanha de Carlin.
Coube ao pai de Ricardo, o sr. João Faria, encerrar a confusão antes mesmo que começasse.
O clima ficou ainda pior quando passou a circular a notícia de Wadson Ribeiro “enquadraria” a campanha de Carlin até mesmo em Contagem. Em tese, por determinação da direção estadual do PCdoB, em Contagem, Ricardo teria de dobrar com Wadson Ribeiro na Zona Eleitoral 91.
Em outras palavras, Carlin, antigo morador do bairro Amazonas, que compreende boa parte da zona 91, teria de pegar votos em outras regiões da cidade.
Ricardo ficou prensado entre as orientações da máquina partidária e as cobranças de lealdade do grupo de Carlin. Tentou conciliar o inconciliável. Propôs abrir múltiplas frentes de trabalho, de modo a atender tanto um quanto o outro. Não convenceu.
Face ao impasse, à falta de reciprocidade política e repressão partidária, Carlin e seu grupo foram para o tudo ou nada. Organizaram sua campanha isoladamente, mas permitiram-se dobradas com outros deputados estaduais em Contagem. Assim, “organicamente”, passaram no município com outro deputado estadual do PCdoB: Celinho Sintroccel — deputado estadual da região do Vale do Aço com forte origem sindical.
No PCdoB de Contagem, pessoas ligadas a Ricardo acusaram o “golpe”. Foi em vão. Ricardo entendeu a ameaça do gesto e se distanciou da campanha de Carlin. Fizeram juntos poucas agendas entre apoiadores em comum.
A animosidade entre os dois grupos só cresceu. A pouco menos de dez dias da eleição, um grupo de whattsapp que reunia parte considerável da militância da legenda no município teve de ser encerrado após uma sequência de troca de ofensas e acusações entre os integrantes.
Foi assim que o PCdoB de Contagem levou seus dois projetos de candidaturas para a eleição do dia último 7 de outubro: rachado e com profunda dispersão de energia em desavenças internas.
E veio o dia da eleição. Após o encerramento da votação, Ricardo reuniu amigos e apoiadores para acompanhar a apuração. Ele estava confiante. Tinha motivos para estar. Manteve uma boa base política em Contagem, ampliando seu apoio a trabalhos assistenciais.
Posicionou-se firme e claramente contra a volta do IPTU em Contagem, esse que era o tema quase eterno das eleições da cidade e que, ao que tudo indicava, continuaria a ser por pelo menos os próximos três pleitos.
Ricardo também atraiu importantes lideranças da cidade que vislumbravam o médio prazo da política no município, pela expectativa de sua candidatura à Prefeitura de Contagem. Numa eleição em que o atual prefeito era praticamente carta fora do baralho, Ricardo chegaria com chances reais à disputa.
Tinha outro atrativo: como secretário de Estado de Turismo, ampliou sua interlocução política para outras cidades do interior. Em outras palavras, fez um bom “para casa”.
Na prática, porém, a teoria é sempre outra.
Antes da apuração chegar aos 40% das urnas apuradas, Ricardo estava tranquilo. Desse ponto em diante, como não avançava a casa dos 10 mil votos, isolou-se em uma sala separada com uns poucos assessores mais próximos.
Tensão absurda. Durante boa parte da apuração o PCdoB não atingia o quociente eleitoral. Na comparação com outras legendas, o desempenho dos candidatos do PCdoB era pífio. Corriam o sério risco de não eleger ninguém para a Assembleia.
Afora isso, Ricardo disputava voto a voto com Celinho Sinttrocel.
Ricardo esteve uma parte do tempo à frente. Atualizava-se a apuração e era ultrapassado. Num outro momento, abria 80 votos de frente. Em seguida, era superado em outros 100 votos. Dos 80% em diante, Celinho estabilizou sua posição, abrindo, pouco a pouco, vantagem sobre Ricardo.
Encerrada a apuração, o PCdoB conseguiu fazer apenas uma cadeira na Assembleia de Minas, e Celinho venceu Ricardo na disputa dessa vaga, com diferença de apenas 756 votos.
Enquanto no comitê de Ricardo Faria recaia sobre todos a desolação e o inconformismo da derrota, em outro canto da cidade, os apoiadores de Carlin comemoravam o infortúnio.
Quando se analisa os números, nem Ricardo Faria perdeu a campanha por causa dos poucos votos que Celinho Sinttrocel teve em Contagem, e tampouco Carlin não se elegeu deputado federal devido a entrada de Wadson no município.
Ficou assim: em Contagem, Ricardo teve 10.270 votos. 17. 461 a menos que na eleição de 2014, quando conseguira 27.731.
No interior, conforme previu, cresceu em votação. Em 2014, teve 17,027 votos fora do seu domicílio eleitoral. Em 2018, subiu para 24.084.
Em Contagem, Celinho obteve irrisórios 279 votos. Na comparação com sua votação na eleição passada, também perderá votos. Em 2014, alcançou pífios 383 votos.
Já Carlin, em números gerais, teve 18.558 votos para deputado federal. Desse total, 10.678 foram em Contagem.
Wadson Ribeiro, por sua vez, totalizou 43.500 votos. De Contagem ele levou apenas 1.176. Também amargou uma queda, no paralelo com sua votação em 2014, quando conseguiu 3.298 votos.
O algoz de Ricardo Faria em Contagem foi outro candidato, de outro partido: Mauro Tramonte, do PRB, que teve expressivos 56.016 votos na cidade.
O apresentador do Programa Balanço Geral, da Record Minas, tomou votos em Contagem até da ex-prefeita Marília Campos, cuja liderança na cidade ninguém questiona. Marília, nas eleições desse ano, teve 33.427 votos no município Precisos 27.797 votos a menos que na eleição de 2014, quando ela obteve 61.224.
Em linhas gerais, Tramonte bagunçou a reeleição de muitos deputados estaduais.
Em Betim, por exemplo, também foi o mais votado. Ficou à frente até do folclórico Pinduca, o “das ambulanças”, que a ex-prefeita Maria do Carmo (PT), que o ex-deputado Dr. Pimenta (PCdoB), e que o deputado estadual Ivair Nogueira (MDB). Todos os quatro, históricas lideranças de Betim, não se reelegeram ou conseguiram uma cadeira na ALMG.
Os manuais de psicologia social, dinâmicas de grupo e desenvolvimento de equipes têm uma premissa que alguns especialistas classificam como básica: um dos fatores de coesão interna de grupos é a iminência de uma ameaça externa, imprevisível e incontrolável. Trazer essa máxima para a luz do atual cenário eleitoral, veremos que, à esquerda e à direita, ninguém leu, ou, se leu, levou a sério essa questão.
Metaforicamente, também podemos assim ilustrar a eleição de 2018 para o PCdoB de Contagem: parados no meio da avenida e distraídos com o bate-boca entre eles, nem se deram conta da carreta que vinha a 170 km/h, conduzida, à direita da pista, por Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República. Foram todos atropelados.
Para o PCdoB, a tragédia transcende Contagem. Em Minas, não elegeu nenhum deputado federal. Na Assembleia, passa a ocupar apenas uma cadeira.
No plano nacional, os comunistas não atingiram a cláusula de desempenho e, para o próximo ano, perderam o direito ao fundo partidário e a participação dos horários gratuitos de rádio e televisão.
Eles elegeram apenas 9 deputados federais em sete Estados. Entretanto, pela nova regra eleitoral, era preciso eleger os mesmos 9 deputados, mas distribuídos em 9 Estados.
Nos partidos que não atingiram a cláusula os deputados podem mudar de legenda sem risco de perderem o mandato. Muitos partidos já assediam os parlamentares eleitos do PCdoB.
Uma fagulha de esperança para o PCdoB até se ascendeu: o ministro Joel Ilan Paciornik, do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) concedeu uma tutela provisória a Isaac Carvalho, candidato a deputado federal pelo PCdoB da Bahia, suspendendo os efeitos de uma condenação que o deixou inelegível por cinco anos. Carvalho, que é ex-prefeito de Juazeiro (BA), disputou as eleições e obteve mais de 100 mil votos, que, em decorrência da condenação, não foram computados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele foi acusado de irregularidades quando esteve à frente da gestão do município, em 2010. Condenado pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), ele teve como parte da pena a inabilitação para ocupar cargo público por cinco anos.
Com a decisão, Isaack poderia levar seu caso ao TSE e garantir sua cadeira de deputado federal.
Em 2018, entretanto, alegria de comunista tem durado muito pouco. Seis dias após decisão em favor de Isaac Carvalho, o mesmo ministro Joel Ilan Paciornik determinou que o Tribunal de Justiça da Bahia procedesse nova dosimetria (cálculo) da pena, o que encerrou os efeitos da liminar. O ministro solicitou apenas anulação da parte relativa à imposição da perda do cargo público, por falta de fundamentação adequada. Resta ao comunista recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Voltando a Contagem, nas próximas eleições, as municipais, estão proibidas coligações. Ou seja, para sobreviver no município o PCdoB terá de reapresentar uma boa chapa. Hoje, conta com 4 vereadores: Silvinha Dudu, Jair do Tropical, Vinícius Faria e o “camarada” Rogério Marreco, que apoiou, sem o menor constrangimento, os candidatos a deputado estadual e a deputado federal do tucano Alex de Freitas.
Que candidato, em sã consciência e real vontade de disputar uma eleição, entraria numa chapa dessas?
A saída de Rogério Marreco é dada como certa. Há meses corre a boca pequena na Câmara Municipal que Vinícius Faria está para desembarcar do PCdoB para o PSD. Ainda assim, sobram dois vereadores, o que torna a chapa pouca atrativa.
No Day After das eleições, os protocolos de sempre. Cordiais agradecimentos dos votos recebidos nas redes sociais.
No Facebook, Ricardo agradeceu as mais de 35 mil pessoas que confiaram e depositaram na urna “sua vontade que continuássemos o trabalho como deputado”. Lamentou, entretanto, que a votação não tenha sido suficiente para a reeleição. “Porém, saio de cabeça erguida e com a sensação do dever cumprido”, asseverou.
Além
de agradecer as manifestações de apoio, rechaçou as críticas ao
resultado, enfatizando, “as urnas são soberanas”. Cerca de três
dias depois das eleições, gravou um áudio e enviou para a
militância do PCdoB, agradecendo o apoio e fazendo um mea-culpa do
processo.
Carlin, por whattsapp, agradeceu os votos de apoio e confiança. “Apesar de não termos conseguido a eleição, o que ficou foi o importante papel que cada um de vocês cumpriram com sua militância voluntária”.
O ex-prefeito, claro, tanto no whatsapp como em sua página no Facebook, passou todo o segundo turno batendo em Bolsonaro e pedindo votos para a chapa Haddad e Manuela. Estamos falando de um militante incondicional.
Ainda no segundo turno, alguns dos militantes mais aguerridos do PCdoB, atordoados talvez, passaram a manifestar nas redes sociais votos a Anastasia. Não só perderam juntos com o PSDB, como passaram a arrostar essa brutal contradição que, claro, será relembrada em momento oportuno, nos “prints” que tão bem fazem à memória.
Termina assim a história do apogeu e da agonia PCdoB de Contagem?
***
A matéria foi construída a partir do relato de dezenas de pessoas que integram o PCdoB de Contagem, sejam elas ligadas ao ex-prefeito Carlin Moura ou ao deputado estadual Ricardo Faria. Citar nomes implicaria em contratempos de toda sorte, represálias partidárias e reprimendas políticas. “É preciso que alguém de fora diga o que não se conseguia dizer por dentro” disseram-nos. Optamos por não citar o nome de nenhuma das fontes envolvidas. Compromete-se o rigor jornalístico? Sim. Fizemos a clara opção de não comprometer, entretanto, os vínculos ou os laços que são tanto jornalista e suas fontes, como, na maioria dos casos, de amizade. É uma espécie de adaptação de um certo adágio. Posso até perder o rigor, mas não perco as minhas amizades. Assim, com o mesmo carinho com que fomos ouvidos, fica a nossa torcida fraterna de que tudo corra bem para uma das legendas mais importantes do país, e com um espólio inegável no município de Contagem.



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